sexta-feira, 20 de abril de 2012

O balanço do “palhaço”


Há cerca de um ano escrevi, neste mesmo blog, meu primeiro texto. Tratava-se de uma crítica à espada dos bons costumes que os moralistas políticos empunhavam contra Tiririca, o “deputado palhaço”. A pudica e ilibada pose dos que ecoam como injúria o fato de um palhaço ser deputado ainda é grande, grande como a ignorância que dedicam à política nacional.

Pois bem. Passado esse tempo, surgiram rumores de uma eventual candidatura de Francisco Everardo, o Tiririca, à prefeitura da maior cidade do hemisfério sul. Os castos gritos de desagravo novamente ressoam nessa treva de cidadania. Mesmo aqueles que, sabendo ou não o que faziam, dedicaram seu voto a Gilberto Kassab, acham censurável um palhaço no comando da cidade.

Para retificar essa carência de informação, julguei prudente trazer à tona um balanço da legislatura de Francisco Everardo, o Tiririca, para que os delatores imaculados encontrem um pouco de paz para suas lamúrias.

Assiduidade. No ano de 2011, Francisco Everardo se ausentou de apenas duas sessões ordinárias no Congresso, uma em 23/03 e outra em 27/09. No entanto esteve presente nos mesmos dias em sessões extraordinárias, fazendo com que sua frequência em plenário tenha sido de 100%.

No presente ano, Francisco Everardo se ausentou no dia 27/03, mas mais uma vez apenas na sessão ordinária, estando presente na sessão extraordinária do mesmo dia. Novamente 100% de assiduidade em 2012.

Tiririca é também titular da CEC, Comissão de Educação e Cultura da “casa”. Aqui sua assiduidade não foi exemplar, para delírio dos probos paladinos dos bons costumes. No ano de 2011, Tiririca se ausentou sem justificativa em 9 de 66 sessões, o que lhe dá uma frequência de 86,4%. Já em 2012, ainda titular, se ausentou apenas em 11/04, até então, tendo 83,3% de presença.

Em sua atividade parlamentar, Tiririca tem se focado em questões que concernem à sua comissão e, sobretudo, à sua experiência profissional. Tem defendido os interesses de artistas circenses e junto aos ministérios da Educação e da Cultura, tem atentado a programas culturais com fins educativos.

Ao contrário do que muitos íntegros patronos da probidade advogam, palhaços não são simplesmente estúpidos indivíduos que só servem para nos fazer rir. Vemos como é difícil fazer rir hoje em dia, muitas vezes sendo necessário mergulhar nas profundezas da humilhação racial e social. Mas esse é um rico diálogo que tem dado ares neste blog, lanço apenas uma breve consideração.

Tiririca procura se informar sobre ações de amparo à atividade circense arquitetados pela Funarte, tem defendido interesses de artistas circenses e a profissionalização da educação no circo.

Em matéria de direitos sociais, Tiririca é autor de um projeto que visa à criação de programas de amparo a famílias e pessoas que exercem atividades circenses e diversões itinerantes. É autor de um projeto de lei que autoriza à União a criação do programa Bolsa-Alfabetização, para alunos maiores de 18 anos matriculados na rede oficial de ensino.

Ainda em cultura, criou projeto de lei de incentivo à leitura com Vale-Livro para incrementar a Política Nacional do Livro e tornar a leitura acessível a camadas literariamente abandonadas pela excludente indústria editorial.

Os projetos de Francisco Everardo são voltados à cultura, como o “Cultura Viva” e os supracitados planos, além de defender os direitos de artistas circenses e itinerantes, inclusive a educação formal de adultos e crianças desse público.

Infelizmente, Tiririca ainda está longe de uma atuação parlamentar ideal. Mas para um país em que o eleitorado, sobretudo a classe média intelectualmente ativa, ainda reproduz o discurso moralista, presumivelmente ilibado, e alheio à realidade política nacional, o palhaço é a tradução perfeita da representatividade política.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

El Bloqueo


Em novembro de 1806, Napoleão Bonaparte deflagrara, via decreto, o bloqueio continental contra a frota mercante inglesa. Uma manobra de guerra, mais que política. Sem poder contestar o domínio da rainha sobre os mares, a alternativa protecionista, por assim dizer, do império francês, acabou por não durar muito.

A tentativa de minar a economia de uma ilha via bloqueio viria a se repetir, tal qual farsa, como preveria Marx. Também uma manobra de guerra, apesar das convenções internacionais acharem natural um país influenciar diretamente a economia de outro com ameaças a terceiros.

E o bloqueio, ou embargo, é considerado um ato de guerra desde a London Naval Conference de 1909.

OMCs e ONUs a parte, a difícil situação econômica de Cuba tem sua origem 50 anos atrás. Quem mandou derrubar uma ditadura e querer organizar um sistema econômico igualitário com supressão de opressão e criação de sistemas de educação e saúde universais?

É praxe nas aberturas da Assembleia Geral da ONU a condenação, por esmagadora maioria, do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos desde Fevereiro de 1962.

Mas, de acordo com o que temos apreciado na guerra cambial entre os ricos e os emergentes, expondo a inutilidade da OMC, e conforme vimos nas invasões norte-americanas ao oriente médio apesar do indeferimento do também inútil conselho de segurança da ONU, as convenções internacionais são meramente figurativas, pois sanções só são levadas a cabo contra os inimigos do ocidente, nesse já batido maniqueísmo global.

A imposição dos EUA de que Cuba não tem direito de escolher seu próprio regime social e econômico trouxe severos danos ao povo cubano. A proibição de países e companhias estrangeiras e ianques de negociarem com a ilha, sob pena de retaliação, isolou Cuba e os cubanos por todo esse tempo.

O bloqueio dificulta a troca comercial de excedentes e mesmo a importação de vacinas infantis, remédios e novos métodos de diagnóstico por parte do governo cubano. 85% das patentes dos produtos farmacêuticos no planeta são de empresas estadosunidenses, e Cuba não tem acesso a esses medicamentos por conta do bloqueio.

Violação de preceitos do direito internacional humanitário que proíbe a restrição à circulação de medicamentos e alimentos, mesmo em estado de guerra.

Para a diplomacia do governo dos EUA, direitos humanos parecem ser relativos. Hão de defender esses direitos quando andarem em conformidade com os interesses nacionais dos EUA e financeiros de suas companhias.

É como aquela velha lição de História. Não que a Inglaterra não fosse humana ao lutar contra a escravidão em colônias de aliados em séculos passados, mas alforriados assalariados são potenciais consumidores, a questão humana é secundária.

Foi, por esse caminho, que o obsequioso governo dos EUA enviou ajuda humanitária a Cuba, sobretudo entre 1992 e 1995. É como o sequestrador que, por benevolente que é, joga um prato de comida no cativeiro do sequestrado.

Cuba destina 13,4% de seu PIB à Educação, o dobro do segundo colocado na América Latina e o segundo melhor nível do mundo, segundo dados da UNESCO. Ainda segundo a mesma organização, o analfabetismo em Cuba é da taxa de 0,2%, o menor do mundo. 11,3% do PIB cubano são dedicados à saúde, mais que Israel, único país na ONU que apoia o bloqueio e taxa equivalente a países como a Alemanha, segundo dados da OMS.

No entanto, com o embargo o PIB cubano não pode ser maior e consequentemente o investimento social.

Até 1959, antes da revolução, 70% das importações cubanas tinham origem dos EUA e 73% das exportações da ilha encontravam o mercado do vizinho do norte. As dificuldades impostas pelo bloqueio, como pagamento antecipado a raros produtos e trâmites de câmbio que oneram transações cubanas são realidade ainda hoje, meio século após o início do embargo.

Em 1992 com a Lei Torricelli, os EUA limitaram ainda mais o comercio cubano com navios de outras bandeiras, dificultando transações entre Cuba e outros países no mundo. Especialistas elucidam que se trata de grave violação do direito internacional.

Violando muitos acordos da OMC, do direito internacional e de convenções globais, o embargo não tem previsão de aliviamento, nem de plena retirada. Na Cúpula das Américas que ocorre nesse fim de semana, a pressão dos países latino-americanos para um relaxamento do cabresto estadosunidense virá mais uma vez à luz, como de praxe e como nas assembléias da ONU. Mas com vias à reeleição, o change de Obama não chegará tão longe, e o ato de guerra permanecerá.

Qual a razão do bloqueio? A luta dos paladinos da “democracia” e sua cruzada contra os inimigos de seus próprios interesses nacionais? Ou o medo de que um regime socialista ou comunista se mostre mais humano, eficiente e democrático que a selva do dinheiro e dos juros? Direitos humanos ou direitos financeiros?