quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Um legislativo tutelado

Quilibet est tuguri rex, dominusque sui
(segundo a wikipédia, isso quer dizer "Em sua casa cada um é rei")
Não deve ter sido uma decisão fácil, a do Fachin, por mais enviesada que pareça. Mesmo que discorde, imagine por um segundo imagine ele tivesse um surto de "imparcialidade". Não seria uma decisão fácil.

Independente de sua posição partidária, Fachin sabe, e poderia nos dar uma aula, sobre como a judicialização da política é uma característica triste de democracias imaturas que precisam ser tuteladas. Ainda que a iteração e correlação de forças entre os três poderes seja desejável e seus limites cinzentos, a invasão de um sobre as responsabilidades do outro é sempre uma falha.

Ele também deve saber muito bem que vai um bocado de soberba submeter uma decisão de um legislativo composto por 513 membros escolhidos - dói reconhecer - democraticamente por 140 milhões de brasileiros à avaliação de um judiciário ainda muito obscuro.

Mas Fachin também vê a Câmara dos Deputados sequestrada por um indivíduo que possui R$ 5 milhões inexplicáveis, que vem usando a pauta do impeachment da presidente para adiar a perda de seu mandato - se Cunha vence a corrida, prova seu poder e escapa da degola por seus pares.

Ele também sabe que esse crápula é do mesmo partido de um ansioso vice presidente - a quem chamam de Underwood, mas tá mais pra Jim Matthews sonhando com atenção - e percebe o evidente conflito de interesses sob as aparências de conflito.


E não pode deixar de notar que, enquanto os capangas de Cunha abusam do direito de fala para adiar a votação sobre a análise dos seus milhões no Conselho de Ética, os parlamentares tiveram o direito de fala negado para agilizar a eleição da comissão para análise do impeachment.

Percebe ainda por esta votação, não bastando ter garantida a fidelidade de uma maioria simples na Câmara, Cunha está a menos de 30 votos secretos de conseguir aprovar um impeachment. Isso não dá nem 7% da Casa. O número de votos abertos deve ser muito menor: quem não tem coragem de manter sua palavra tampouco teria para sustentar sua traição.

Por fim, se Fachin hesitasse por considerar que uma interferência legal do STF no processo legislativo acusa a gritante fragilidade da nossa democracia, ele sabe no entanto que, se deputados eleitos para representar o povo decidem o futuro da chefe do executivo através de uma votação secreta, escondendo a sua decisão de seus representados, é por que não resta democracia ali pra ser defendida.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Perder na Democracia dá trabalho

Diante de um país cuja divisão política se materializou muito injustamente em dois candidatos, era inevitável que começassem a surgir opiniões radicais em oposição ao sistema democrático por parte dos insatisfeitos.

Do outro lado, defende-se que a esquerda deve se levantar contra os pedidos de intervenção militar pela troca de regime. Seria um tiro no pé. É importante ressaltar que essa polarização é virtual e injusta: nem todo mundo que votou na Dilma é petista; nem todo mundo que votou na Dilma é de a esquerda; nem todo mundo que votou na Dilma é assim tão democrata; Da mesma forma, nem todo mundo que votou no Aécio é tucano; nem todo mundo que votou no Aécio é de direita; e definitivamente, uma minoria dos eleitores de Aécio são defensores de uma intervenção militar. Fazer essa divisão política polarizar também Democracia x Ditadura só serviria para engrossar essa minoria autoritária, que é contrariada por ambos os lados.

Um dos exemplos mais importantes foi dado por Geraldo Alckmin. A fala da direita derrotada no pleito presidencial - ainda que vencedora nas casas do legislativo - é mais legítima que a fala dos aparentemente vencedores, pois é a eles a quem coube o ônus da democracia desta vez.

Quando Alckmin defende a democracia, por mais relativa e criticável que seja essa defesa pelos argumentos da esquerda, ele fala a muito mais pessoas e com muito mais reconhecimento, vide o apoio expressivo que possui da população, sobretudo entre os extremistas da direita.

É importante que reconheçam que o mesmo sistema eleitoral ora criticado por ter eleito Dilma também garantiu a eleição do governador de São Paulo, do Alvaro Dias, do Serra e do clã Bolsonaro inteiro. E isso só é possível na democracia, ainda que falha.

A voz de Alckmin é importante para trazer para a realidade essa parcela da população - bem menor que a esquerda, mas muito influente - que acha possível privatizar as Forças Armadas Brasileiras para aplicar seu Golpe de Estado.

Que fique claro, este não é um elogio à gestão Alckmin, mas à específica postura que tomou nesta situação limite. É uma atitude tão louvável quanto a dos militares que, mesmo se opondo ao atual governo, se empenham em realizar seu trabalho da melhor forma possível, respeitando a soberania nacional.

Alguém pode dizer que este seria o dever dessas pessoas em um Estado Democrático. E é mesmo, mas quem disse que a democracia não depende de atitudes louváveis? É da voz dessas pessoas, como Xico Graziano, e não de nós da esquerda - que teoricamente estamos satisfeitos com o resultado das eleições, pelo menos do ponto de vista da oposição - que depende o futuro civilizado do nosso país.

domingo, 26 de outubro de 2014

Meus votos.

Primeiro, muito obrigado por se interessar pelo meu voto. Este post sai após o final da votação, mas se possível durante a apuração, por que este não é um pedido de votos, é um pedido por um novo debate. Se quiser, tenho muita vontade de conhecer os seus votos também. Agora sigo:

Hoje votei na Dilma. Para algumas pessoas, essa informação resume o propósito do texto, então poupo-lhes a leitura toda, pra bem ou pra mal. Mas, se voto 13 hoje, não o faço por achar que a candidata petista seja mais honesta que Aécio; nem por achar que ela tenha se portado de forma menos reprovável durante a campanha ou debates; nem por achar que ela venha a ser melhor cônjuge que seu oponente, ou que tenha menos vícios, embora esses temas tenham pautado as discussões sobre a sucessão presidencial de 2014.

É preciso que entendamos que os candidatos são a vitrine de programas de governo, e suas características pessoais, como opiniões, gostos ou vícios pouco influem. Afinal, diante de financiamentos milionários de empresas, de coligações multipartidárias, de uma estrutura de Estado gigantesca (apesar de insuficiente), de um Congresso repleto de interesses conflitantes até mesmo dentro da base aliada, da opinião pública e de tantos outros fatores críticos, acha mesmo que opinião pessoal do presidente tem tanta influencia assim? Óbvio que não, e é isso que nos diferencia de uma ditadura (ainda não nos coloca em uma democracia plena, também, mas já é muito melhor).

Também acho relevante esclarecer que não voto como quem escolhe um candidato que me satisfaça plenamente, tenho muitas queixas à gestão de Dilma, e se ela for eleita, volto já no dia 27 a ser sua oposição de esquerda. Por isso mesmo, voto nela como quem escolhe um adversário. Ou melhor, como quem escolhe um desafio.

Quero dizer, tive o privilégio de acompanhar a luta da comunidade educacional contra o poder político durante a gestão PT. Aprovar o Plano Nacional de Educação 2014-2024 foi uma luta árdua, que levou 7 anos entre elaboração do plano e sua sanção definitiva, enfrentando deputados e senadores conservadores, empresários e economistas que se opunham ao plano elaborado por milhares de trabalhadores da educação, pais e alunos (a quem interessar, ainda tem luta pelos Planos Estadual e Municipal, vá ver).

A longa peleja foi vencida apenas este ano, não sem algumas derrotas. Se o PT continuar no poder, a luta vai ser pelo cumprimento das metas do PNE, pela regulamentação eficiente dessas metas que, repito, foram traçadas pelas pessoas que tem relação direta com a educação e pleno domínio de suas dificuldades, com uma proposta de investimento para o futuro do país. O jogo é duro, mas vimos que é possível vencê-lo.

Já com o PSDB de volta ao poder, não tenho como dizer como esse plano será encaminhado, mas posso analisar o cenário e expor minhas dúvidas. Não é uma cultura do medo, é uma análise simples do cenário que os tucanos oferecem.O primeiro fato é que, a partir do ano que vem, enfrentaremos o pior Congresso em tempos democráticos.  Sei que o primeiro PNE (2001-2011) teve suas metas de financiamento vetadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e previa o investimento de 7% do PIB para a área.

Pois bem, o time do FHC era composto em grande parte pelo novo time de Aécio, como o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, agora candidato a Ministro da Fazenda, e um dos economistas mais respeitados do mundo. Mas, se esta equipe já considerou que 7% do PIB era dinheiro demais para educação no final de seu mandato, por que agora estariam comprometidos a cumprir os 10 %, se o aumento dos gastos públicos contradizem suas próprias bandeiras de campanha?

Não vou dizer que os tucanos não cumpririam, nem que estão errados em não cumprir, é uma proposta diferente apenas. Mas o PNE é uma causa importante pra mim (e muito mais importante para pessoas que vivem dela, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação), e se já não foi fácil convencer o Mercadante, que tanto teria a ganhar com a promoção do PNE, imagine o trabalho com quem teria que promover uma política desenvolvida durante o governo adversário?

Como é praxe pra marcar uma gestão, Aécio precisa de políticas públicas com a sua bandeira. Isso é do jogo. O problema é que só principal projeto de Aécio, o Mutirão de Oportunidades, já custaria mais que o orçamento do MEC inteiro. A intenção é bacana, recolocar 15 milhões de pessoas na escola, mas não diz, por exemplo, onde toda essa galera vai estudar ou quanto vão ganhar os professores desse pessoal todo - pensa, se colocarem 50 alunos por sala, dá pelo menos 300 mil turmas - e isso tudo não é barato.

Veja, é uma questão de perspectivas diferentes, não vou entrar no mérito de uma ser melhor que a outra, não sou especialista no tema. Mas prefiro a primeira porque, se vamos investir boa parte da arrecadação do país em educação, acho melhor a proposta que reuniu mais especialistas. A aposta é importante pro país, vença quem vencer: considerando as projeções da "pirâmide etária" da população brasileira, ou nos especializamos para continuarmos produtivos quando envelhecermos, ou não vai ser mais possível pagar a previdência social pra todos os futuros (merecidamente) aposentados.

Aqui mais detalhada, essa lógica segue de forma similar para outras políticas públicas. Não entro no mérito de questões mais ideológicas, parto para a análise de uma política em que, como a maioria dos eleitores , estou na condição de leigo. É assim que eu voto. Seja em Dilma ou em Aécio, espero que seu voto siga uma linha similar, desprezando boatos.

Que em 2018, a essa hora, a gente possa estar votando em candidatos nos quais acreditamos, se possível , mais independentes que os dois que ora se enfrentam. Quem sabe eu esteja votando em você ou em algum conhecido nosso. Mas que, definitivamente, o que pese na análise dos nossos votos seja a análise das propostas dos candidatos, da ideologia de seus partidos, e não aspectos negativos da vida pessoal de cada um, enfatizada por seus marqueteiros e por sua mídia de apoio.

E que, seja qual for o resultado, que os eleitores adversários se respeitem. Não há vencidos e vencedores, por que o barco segue com todos dentro, felizes ou não.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Quando é que a gente vai debater política?

"- O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para diante daqui?
- Isso depende muito de para onde você quer ir.
- Não me importo muito para onde.
- Então não importa o caminho que você escolha.
- Contanto que dê em algum lugar...

Não importa se você se sente no país das Maravilhas ou dos Pesadelos, diante da urna estará como Alice e o Gato. Sem uma posição segura sobre pra onde devemos ir, escolhemos entre teclar 13 ou 45 para evitar a alternativa que desprezamos. Ainda podemos teclar 69 para evitar promover qualquer das duas, mas com a certeza de que, apesar do protesto, vamos acabar seguindo por um dos lados.

Se a princípio o caminho que queremos seguir não é tão certo, a repulsa ao oposto é tão absoluta que nos faz agarrar desesperadamente a opção restante. E aí a gente vota tão influenciado pelo personalismo, com uma idolatria tão infantil, que parece acreditar que Dilma ou Aécio governariam sozinhos todos os seus ministérios e secretarias e ainda liderariam bancadas no Congresso. Deve ter gente achando que vai ser atendido pela pessoa em quem votou quando for a um posto de saúde ou escola pública.

As já corriqueiras briguinhas de Facebook são forte sinal disso. É uma cultura tão enraizada que chegou aos debates presidenciais televisionados, nos quais os candidatos se vangloriam e se acusam sobre seus governos como se fossem os únicos responsáveis por tudo que aconteceu durante as gestões que chefiavam.

O flagrante desrespeito com os servidores públicos, cujo trabalho continua dia a dia a despeito de quem sejam os eleitos, produzindo as estatísticas tão divulgadas no horário político, não é o único inconveniente dessa cultura política tão birrenta.

As orientações do marketing político - de quem entende muito de imagem, mas pouco de política, e parece evitá-la - são cada vez mais estúpidas. Num esforço para incentivar a gritaria fanática e acrítica das redes sociais, atiçam seus clientes a arriscarem seu tempo de TV em um "nocaute retórico", fazendo do debate uma rinha de denúncias a seus adversários e expondo pessoas próximas, repetindo velhas críticas insistentemente em cada um dos minutos tão suadamente negociados em alianças contraditórias.

Já no plano social, por outro lado, a estratégia é não contrariar consensos. Quanto mais gente concorda com uma questão, menos ela tende a ser questionada por presidenciáveis. Com alto risco eleitoral, é difícil que as candidaturas abordem claramente a ampliação de direitos civis, ainda que estas violações impeçam a plena cidadania de grande parte dos brasileiros.

É até risível como essa postura conservadora foi vendida pelas três principais campanhas como uma forma de "mudança". Não se engane, meu caro, não há político capaz de mudar o país sem nem mesmo tentar mudar a nossa cabecinha de vento. 

E, no fim, o mais importante, que é o debate sobre políticas públicas, a política que impacta diretamente a vida das pessoas, fica negligenciado. O tema é considerado complexo demais, talvez pela incompetência dos técnicos de ambos os times, que são capazes de convencer bancas acadêmicas de que possuem a solução para o país, mas não conseguem explicá-las para as pessoas que precisam dessas soluções.

Como consequência, não nos esforçarmos para entender o funcionamento dos programas que os candidatos nos propõem, não avaliamos a perspectiva sobre os problemas que cada um deles oferece, nem observamos a forma como pretendem viabilizar suas propostas. Ainda que quiséssemos, nem recebemos informação pra isso.

Só sabemos da vida pessoal dos candidatos, sobre isso, temos notícias de sobra. Daí, como falíveis somos todos, a equivocada conclusão de que são iguais é inevitável, mesmo que representem projetos absolutamente diferentes.

domingo, 16 de março de 2014

Perfil - Como é a vida do autor de mortes falsas?

Ele empenha toda a sua energia na cobertura da morte de Michael Schumacher, anunciada ao mundo antes de qualquer comunicado do hospital, assessores e familiares. Uma verdadeira proeza e exemplo de profissionalismo.

Mas afinal, quem é esse que dedica parte do seu tempo para noticiar o falecimento de famosos que por acaso ainda estão vivos?

Seu trabalho de checagem é elaborado. Impressiona pela complexidade. Trata-se de um raciocínio lógico: foi internado, então morreu. Está em coma: luto. Cabelo branco: uma grande perda.

Depois desse trabalho árduo, manda e-mails, coloca a notícia nas redes sociais e só espera a repercussão. São milhares de compartilhamentos, comentários, até que alguém lá embaixo na timeline avise “peraí, galera, o cara tá vivo!”. Mas não tem problema. Amanhã ele publica a notícia de novo. 

Lutou bravamente contra o centenário de Oscar Niemeyer e o fim do mandato de José Alencar. Já enterrou José Sarney, Jô Soares, Cid Moreira e Roberto Bolaños.

É o único autor de obituário que precisa publicar uma errata, direito de resposta ou “outro lado”, que neste caso, não é o lado da morte. É o lado de quem não morreu e não gostou muito dessa brincadeira de ficar sabendo pela internet que passou dessa para uma melhor (ou vai saber...).

Dono de um currículo invejável é também fotógrafo de mão cheia (não me pergunte de que). Tirou fotos exclusivas dos cadáveres de Osama Bin Laden e de Paul Walker, instantes depois da execução e acidente, respectivamente. Tratou de publicá-las depois dos acontecimentos, sem censura, para todo mundo ver o que só ele viu.

Em tempo: ele lamenta profundamente o uso inadequado de seus furos jornalísticos em golpes na internet. Links maliciosos com vírus costumam ser colocados nas fotos de ídolos recém-falecidos. Um absurdo. Afinal, estragam todo o trabalho de apuração que teve para escrever sobre as causas de morte de quem ainda respira. Perde toda a credibilidade.

sábado, 6 de julho de 2013

Por que o dinheiro do petróleo e do pré-sal são importantes para a Educação Pública?

Muito tempo que não apareço por aqui, , resolvi voltar pra falar de uma pauta que tem feito barulho por estes dias, que é a importancia da vinculação da grana do petróleo para a Educação. Segue um resuminho bem modesto e simplista da ópera cujos atos começaram faz bastante tempo:

Uns anos atrás, um pessoal resolveu fazer as contas e pensar o que o Brasil precisa pra ter uma educação de alta qualidade (evidentemente, sem ligação com o governo). A conta deu muito alta, e os estudiosos perceberam que, primeiro, o país precisaria garantir uma educação de qualidade MÍNIMA pra todo mundo. A gente não tem isso nem de longe, tem escola que não tem banheiro, tem professor que trabalha mais de 12h por dia etc. Olha só estes dados aqui, sobre a situação atual:




O resultado dessa conta, feita com parcimônia e respeito ao dinheiro público e às características diferentes de cada etapa e modalidade de ensino, você encontra aqui: http://bit.ly/18DLeoE .

O total, pra aplicar esse padrão mínimo nas escolas públicas no país inteiro e ainda construir as que faltam, dá marromeno o equivalente a 10% do PIB (viu? não é um número que saiu da cartola, nem uma falácia, como já andaram dizendo por aí, ao comparar com investimento feito por outros países).

Pois bem, o país investe uns 5% do PIB em educação. Toda essa grana do petróleo ajuda a pagar o que falta, mas não atingem os outros 5%, ainda vai faltar uns 1,5%, que a gente ainda vai ter que tirar, aí sim, da cartola.

Bão, daí que num lapso de virtuosismo, e um pouco de susto, a Câmara decidiu mexer com gente grande e mandar 270 bilhões, durante os próximos 10 anos, para a educação pública. Tem gente achando que essa grana toda tem que ficar no banco e usar só os rendimentos. Os bancos adorariam, por que vão poder especular com uma grana preta, enquanto a educação pública fica com uns caraminguás, que ajudam, mas a conta pra colocar a educação no eixo vai ficar ainda mais difícil de fechar.

Sem catastrofismos, a Educação Pública tem melhorado, lerda e vagarosamente, mas tem. Temos um Plano Nacional de Educação em vias de ser aprovado - que, se o Senado não estragar tudo como de costume, tem grandes chances de orientar um desenvolvimento mais célere, democrático e proveitoso. Mas a nossa Educação ainda está em situação precária, tanto em infraestrutura quanto no salário dos professores, e do mesmo jeito que você não deixa de comprar comida pra investir na bolsa, não soa sensato deixar uma nota preta rendendo enquanto professores precisam trabalhar em 3 turnos, recebendo um salário muito abaixo do que se espera de alguém que precisa estudar tanto.

É menos difícil tirar 1,5% do PIB da cartola do que 3%, né? Por este motivo, cruzo os dedos para que a Câmara repita sua posição e aprove 50% do Fundo Social para a Educação, assim como 75% dos royalties. O Senado disse que não dava, que tanto dinheiro ia trazer problemas para a economia (tecnicamente, até é coerente), mas tá faltando grana, e destiná-la à educação é a forma mais eficiente - ao meu leigo ver - de incentivar o desenvolvimento de outras áreas, para que não fiquemos dependentes do petróleo. Também disseram que algumas questões poderiam judicializar a questão, mas eu quero ver quem vai ser o macho que vai pro STF contra a Educação. E, se for, a gente compra essa briga nas ruas.

É por isso que esse texto aqui, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, me representa muito: http://www.campanhaeducacao.org.br/?idn=1105

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Um maio menos vermelho


Coroando uma trajetória recente repleta de desvios, o último maio do governo federal foi particularmente intragável. Já não é novidade, nem mais surpresa, que a administração petista apunhala a sangue-frio os princípios e valores de fundação do partido. Mas nesse decorrido mês ficaram ainda menos nítidas as fronteiras que divisam a terra petista da praia privatista. A MP dos portos e a 11ª rodada de leilões dos blocos exploratórios do petróleo mancham com outras cores uma já desbotada história.

Abril já foi fechado à democratização da mídia, com o fortalecimento do oligopólio da informação pelo próprio governo federal. Em 05/04, Dilma sancionou a MP 612 que desonera a folha de pagamento de empresas de diversos setores, incluindo o jornalístico e televisivo, até o fim de 2014. Aprovada pela câmara na última terça-feira (28/05), a MP alivia esse concentrado setor em R$ 1,26 bilhão. Um nectarino afago ao cartel que já recebe 72% das verbas publicitárias do governo federal e uma boa dose de fel à já complicada Previdência.

E a contrapartida inexiste, lembrando que o Grupo Estado já desonerara sua folha de pagamento com o fechamento do Jornal da Tarde ao cair de 2012 e com recente enxugamento do principal veículo, com consequentes demissões, nesse mesmo abril.

Mas o maio federal veio de rachar. O prestígio com o capital privado e oligopólios vai distanciando ainda mais o governo petista das necessidades do povo brasileiro e do fortalecimento do Estado garantidor de direitos, bandeiras petistas até há pouco.

A começar pela MP 595, dos portos, aprovada de tabelinha no congresso no meio de maio e a espera da sanção presidencial. Apresentada como necessária medida para modernização da infraestrutura portuária brasileira, a medida provisória esconde os verdadeiros vencedores daquela batalha travada nos mares de Brasília.

O que o oligopólio da informação não publica em seus jornais são os interesses do oligopólio de armadores marítimos (Maersk, Hamburg Sud etc), mega-empresas que já possuem portos particulares, controlam os fretes e consequentemente o preço dos produtos transportados nos sete mares. Na costa brasileira, apenas 10 mega-investidores já dominam a cabotagem (Opportunity Fund, Eike Batista etc), e a medida provisória há de reforçar e assegurar essa concentração.

Pescando pretextos, a política de concessão dos portos públicos em detrimento do controle estatal reforça o mote do privatismo tucano: vende-se por não se ter dinheiro para gerenciar. Justificativa barata, uma vez que o BNDES há de financiar, como sempre o faz, empresas vencedoras de concessões governamentais em setores vitais da economia brasileira. Um naufrágio do interesse nacional e do erário.

E como poderia uma política que favorece um oligopólio baratear as tarifas e assegurar a competição? É o mito da livre concorrência, contrário aos interesses nacionais como aponta o estudo Port Reform Toolkit do Banco Mundial.

Alternativas para uma real modernização da infraestrutura portuária brasileira existem. E há em Brasília ideias para isso, como a ampliação e recuperação da malha ferroviária nacional, arrancada pela ditadura militar; o fomento à construção de silos nos terminais de grãos e, sobretudo, a participação do Estado na busca pela isonomia na redução de tarifas portuárias e desburocratização de agências como Anvisa e Receita Federal nos portos.

Há ideias e pessoas, caso dos deputados do PSOL Chico Alencar (RJ) e Ivan Valente (SP) e do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Este último, aliás, fez significativo pronunciamento sobre essa entrega que o governo federal realiza de setores estratégicos ao capital privado.

Dentre esses setores, está o petróleo, já não mais tão “nosso” como outrora garantia a constituição. No bazar neoliberal dos anos 90, uma das operações realizadas por FHC na Petrobrás foi a quebra do monopólio estatal sobre o petróleo com a lei nº 9478/97.

Assim, desde 1997 o governo federal realiza leilões para exploração dos blocos em concessões, com forte presença do capital privado e visível prejuízo público, pois o país só arrecada o que é pago em leilão e migalhas de royalties.

Natural que fosse assim num governo afeito à privatização como o de FHC. Mas “aí sim, fomos surpreendidos novamente”. A continuidade da lógica privatista com o governo petista é não só aterradora como de muito mau gosto.

Há alternativas de exploração desses blocos de petróleo com maior vantagem nacional. Mas a ANP, uma espécie de quinta-coluna autorizada com o respaldo do governo federal e do Ministério de Minas e Energia, abre as portas do petróleo e gás natural nacionais ao capital privado.

A lei nº 12351, promulgada por Lula em dezembro de 2010 e que dispõe sobre o regime de partilha na exploração das reservas do pré-sal, criando também o fundo social, traz regras mais próximas aos interesses do país. Mas fora da área do pré-sal continua esse privatismo herdado, à base de concessão, e aqui também vai Eike, com minguado ganho nacional e adiposos lucros privados.

Dessa forma, são os oligopólios nacionais e estrangeiros que mais se aproveitam desse modo de governar tão pouco vermelho e tão pouco popular. E a política de privatização ataca em outras frentes essenciais ao país, como a produção de energia em hidrelétricas. Com recente fim da concessão da hidrelétrica de Três Irmãos (SP), há grande chance do MME leiloar a oligopólios mais esse recurso nacional. Em novembro já haverá leilão do pré-sal. Vêm vindo novos, e obscuros, meses para o interesse do povo brasileiro, trazidos por mãos que antes agitavam melhores bandeiras.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Doses de Cuba livre


Foi de algum modo reascendido no Brasil o debate político estrutural com a vinda da blogueira cubana Yoani Sánchez ao país neste fevereiro. Uma esquerda invulnerável a contrapontos usou da censura e de comportamentos despóticos para calar a dissidente. Já a náufraga oposição de direita no Brasil encontrou em Yoani a santa libertária que a livraria da deriva a ponto de, “oximoro nosso tropo”, um defensor da ditadura militar brasileira como Jair Bolsonaro defender o direito de expressão de Yoani. Tudo isso leva a resgatar e incrementar uma máxima do francês Jean-Paul Sartre que dizia que “O inferno (e ditadores) são os outros”.

A esquerda acrítica conseguiu calar Yoani em Feira de Santana (BA), local onde a blogueira iria exibir o documentário “Conexão Cuba-Honduras” do qual participa. Como bem apontado por Cynara Menezes em artigo na Carta Capital, é o regime cubano que alimenta a legitimação da luta pela liberdade de expressão de Yoani. É fato, dos mais condenáveis, que não há tanta liberdade de expressão em Cuba e que a organização fora do Partido Comunista é limitada.

Dessa forma, é sábio dialogar dentro do campo em questão: liberdade e, mais precisamente, liberdade de expressão. O regime dos Castro e as manifestações contrárias a Yoani no Brasil só fazem justificar o status de libertária com que a mídia pinta a blogueira cubana. Yoani encontra fácil eco para sua oposição no oligopólio da mídia. Oligopólio que defende liberdade de expressão e democracia, mas ainda oligopólio. Mais do oximoro, pra mostrar que o materialismo histórico dialético está certo em apontar que as contradições precisam ser superadas.

A esquerda efetivamente revolucionária deve dar voz a Yoani, mas debater com a mesma liberdade. Uma esquerda burocratizada por bandeiras partidárias não é revolucionária e se acomoda, se tornando também paradoxal. Uma esquerda comprometida com o que defende enfrenta o debate, sem cerceamento, com inteligência.

Como exemplos, devo citar a entrevista de Yoani concedida à Carta Capital em que fica claro o apelo da blogueira a expressões de efeito quando não tem resposta e a crítica à liberdade de expressão sem considerar as circunstâncias envolvidas no presente e as que viriam no futuro, fossem seus desejos realizados. Assim como o preciso texto de Pedro Estevam Serrano na mesma Carta.

Mas, acima de tudo, é esclarecedora a entrevista que Yoani dá ao francês Salim Lamrani, na qual a blogueira é engolida pelos fatos: se contradiz sobre sua suposta agressão política em 2009; não consegue demonstrar uma clara censura a seu blog e à sua liberdade de expressão por parte do governo cubano; não é capaz de dar outra razão para as dificuldades econômicas de Cuba além do bloqueio dos EUA; defende a privatização de setores do Estado cubano; reconhece o financiamento dos EUA a dissidentes cubanos e leis de incitação à emigração e demonstra, ignorando essa série de circunstâncias, uma crítica também ela acrítica.

A liberdade de Yoani se pronunciar deve não só existir, como ser defendida. Mas que também haja liberdade de contestação do que a blogueira expressa, e que ela tenha a liberdade de responder essas contestações, quando for capaz.

Toda e qualquer censura é fruto de uma incapacidade de diálogo. É tão contraproducente quanto uma defesa da liberdade de expressão por conveniência partidária, ou antipartidária. Para dar nome aos bois, a censura que militantes partidários colocam a Yoani entra no mesmo balaio da defesa de liberdade de expressão de antipartidários dos primeiros, essa defesa por puro interesse e restrita ao caso cubano.

A tradicional briga de comadres, sobretudo entre fervorosos petistas e antipetistas, no Congresso ou na internet.

Não se pode ser injusto e falar numa liberdade sem se referir à outra. Os que defendem Yoani não podem desconsiderar a liberdade que foi retirada do governo e do povo cubanos com o despótico embargo dos EUA, ato de guerra desde a London Naval Conference em 1909, e que castiga Cuba enormemente. Assim como os críticos a Yoani devem reconhecer, sobretudo, limitações a manifestações políticas contrárias ao governo dos Castro, por mais que a realidade não seja tão tirânica como pintada pela mídia.

Liberdade era um conceito caro também para Sartre, supracitado. Mas uma liberdade condicionada pela existência física, histórica e social. E uma liberdade, acima de tudo, inescapavelmente ligada à responsabilidade do indivíduo condenado a ser livre. Para permanecer nesses paradoxismos tão coerentes.

Mora aí a responsabilidade não assumida nem pelos militantes reacionários que censuram, nem por Yoani e as consequências que seus não-ditos provocam e nem pelas oposições, a antipartidária e a contrária ao regime cubano, que não se responsabilizam na defesa de caminhos diferentes e melhores para a ilha. Assim, liberdade boa é sempre a nossa, e os tiranos (e o inferno!) continuam sendo sempre os outros.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Conexión Caracas


Foi necessária uma iminente queda política de Chávez, ou mesmo sua quase morte, para que a Venezuela fosse tão falada pela alta casta da imprensa nativa. Não que Caracas jamais tenha recebido tanta atenção quanto agora. Recebeu. Mas uma atenção limitada ao indisfarçável descontentamento quanto à continuidade do governo chavista. Sobretudo pelo jornalismo da Rede Globo que, se efetivo fosse, apoiaria e laurearia um golpe direitista, golpe “democrático”, ao Palácio de Miraflores, tal qual ocorrido com Lugo no Paraguai.

O brasileiro médio, bombardeado pelo cartel da informação (e por cartel da informação entenda a indexação de um mesmo ponto de vista por diversas empresas da comunicação, por força do interesse corporativo), condena Chávez como um ditador. Aludido a conclusões irrefletidas, esse mero receptor de informações que consome a notícia pensa que há, em território venezuelano, um despotismo como o sírio de Assad ou mesmo um regime como o fascista de “Il Duce” Mussolini.

Quanto ao “despotismo” eleito pelo povo, ideia tão paradoxal quanto à de um golpe “democrático” como o paraguaio, vale frisar que Jimmy Carter, ex-presidente dos EUA e Nobel da paz por seu instituto de monitoramento de eleições, considera o pleito venezuelano o melhor do mundo. E quando aquele seu colega, ou um jornalista desses de 50 tons do mesmo ponto de vista, disser que “democracia é alternância de poder”, argumente que essa equação semântica não fecha e faz tanto sentido quanto uma “ditadura” eleita por sufrágio.

Em texto bem esclarecedor divulgado recentemente, o economista estadosunidense Mark Weisbrot mostra que as hostilidades a Chávez pela imprensa se fazem presentes em outros cantos do mundo. No artigo, Weisbrot mostra como um jornalismo desinformador faz projeções absurdas com base no partidarismo e na alucinação.

O economista também protagonizou um estudo sobre o crescimento econômico e social da Venezuela com Chávez. Com média anual de mais de 13% no aumento do Produto Interno Bruto (PIB), redução acentuada da inflação, aumento do investimento em serviços públicos como saúde e educação, redução da pobreza de 54% para 26% e da pobreza extrema em 72%, cabe perguntar se a insânia antichavista consegue convencer o povo de que a Venezuela precisa de um governo diferente.

Na quarta-feira última (16/01), dia em que Obama decretou medidas contra a cultura bélica nos EUA, Arnaldo Jabor reclamou que a “consciência social coletivista” jamais passou por esse país. Mas que “consciência social coletivista” habitava os reclamos de Jabor? Foi tocante o jornalista condenar o individualismo refratário à intervenção do Estado, como ocorre nos EUA. Que "democracia moderna", segundo o próprio e mesmo jornalista, quer Obama para a América? A de contínua hostilidade à democratização latino americana?

Hei de lembrar que, como em outro texto tentei indicar, quando o já batido substantivo "democracia" vem acompanhado de um adjetivo, suspeite.

Que democracia seria essa, a “moderna”, de Jabor? A das oligarquias da informação, como a da Rede Globo, que omitem excelentes indicadores venezuelanos e tentam passar uma eleição exemplar por golpe? Desinformam seu público alegando que um país democrático é uma ditadura? Jabor viaja, delira, na pompa do próprio discurso. E só não é um pensar masturbatório porque agrada seus superiores na Rede Globo. No mais, é reflexão severamente deslocada da realidade.

E esse delírio foi respondido pela Embaixada da República Bolivariana da Venezuela, em nota. No entanto Jabor continua cineasta, trabalhando na fantasia. Mas um cineasta a agradar seu patrão, ou seu salário, na confusa metonímia das relações sociais sob o pano do capital. Arnaldo Jabor produz comercialmente, como todas as peças da Rede Globo, não cultural e artisticamente com crítica produtiva e esclarecedora.

A alta casta da notícia, o cartel da informação, nem sob pena de perda de concessão, nessa nossa tão oligárquica e paranoicamente ameaçada liberdade de imprensa, noticiaria que a Venezuela com Chávez se tornou território livre do analfabetismo. Ou a Bolívia com Evo Moralez. Ou o Equador com Rafael Correa. Nem há de noticiar as boas novas que vêm do Uruguai com Mujica.

Assim como a “Tela Quente” não passará “South of the Border”, documentário elucidativo de Oliver Stone (“Natural Born Killers”, “Wall Street”, “Platoon”, “U Turn”, “World Trade Center”) com presidentes de esquerda eleitos na América Latina depois da ascensão de Chávez na Venezuela.

The Revolution Will Not Be Televised”, outro excelente documentário sobre o golpe sofrido pela Venezuela em 2002. Não só a revolução, mas mesmo um reformismo social-democrata tende a não agradar aos Citizens Kane modernos.

Felizmente, uma espécie de ley de medios conquistada com a abertura à informação na internet ameniza o impacto do oligopólio da mídia. E com isso, não dependemos mais daqueles velhos padrões informativos que orbitam um só e mesmo propósito. Em Caracas e no resto do país, a preocupação do povo venezuelano não é a de se livrar de uma ditadura, mas sim a de viver uma.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Um país feito assim

     
Foto: Sebastião Salgado

Há poucos anos comprei e li um dos livros mais acurados e notáveis que já habitaram meu modesto acervo. Em “Brasil e Estados Unidos: o que fez a diferença” (Civilização Brasileira), o jornalista Ricardo Lessa cumpre magistralmente o que o lacônico título anuncia. Retomei recentemente a leitura desse trabalho que esmiúça, em paralelos históricos do desenvolvimento das duas nações, os fatores principais que as colocaram em rumos tão desiguais.

Também me motivo a escrever este texto pelo inexaurível “complexo de vira-lata” que ganha novos contornos, virtuais, em tempos de redes sociais. Tema já apreciado neste blog. É importante saber por que somos o que somos, quem nos fez como somos feitos e quem continua a nos manter do jeito que somos mantidos. É do filósofo espanhol George Santayana (1863-1952) a emblemática máxima: “um pueblo que olvida su pasado está condenado a repetirlo”.

E por não nos darmos conta do nosso passado, por preguiça ou má-fé, carregamos de maneira maçante essa pose de “narciso às avessas”, evocando Nelson Rodrigues, “não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima”, continua o carioca dramaturgo recifense. Se não encontramos esses pretextos, encontremos, sublinhemos e nomeemos os que nos nutrem desse famigerado complexo de “Ah, é Brasil mesmo” no nosso tão presente pretérito.

E é à história que devemos ir, à formação da nossa realidade atual.

Portugal, quando cá aportou, não tinha verdadeiramente o propósito de cá aportar. Os planos de Cabral eram de chegar às Índias, para alimentar o próspero comércio de especiarias, rentável à coroa portuguesa. Logo o Brasil se tornou uma colônia de exploração, recebendo degredados e sem propósitos maiores que enriquecer o império português no início do mercantilismo. Já o Mayflower, que aportou em Cape Cod no Massachusetts 120 anos mais tarde que Cabral, levava peregrinos ingleses que escapavam de uma coroa corrupta e cheia de vícios, um povo que ansiava uma nova vida num novo mundo.

No Brasil, fomos criados em raízes absolutistas, que amarraram a colônia a Portugal, e em raízes católicas, que cegaram iniciativas de insubmissão nesta vida terrena. Quando do “achamento” do Brasil, reinava na Santa Igreja o Papa Alexandre VI, um Bórgia, família famosa pela série de crimes como simonia, estupros, corrupção, assassinatos e ainda papas fartos de proles.

Os EUA viveram 156 anos de colônia, com relativa autonomia dos estados do norte durante todo esse período. Aqui fomos colônia por cerca de 300 anos, e mesmo nossa primeira constituição fora assinada por el-rei D João VI, mantendo poderes absolutistas centralizados no império dos Pedros, o primeiro e o segundo, até a proclamação da república em 1889, mais de um século depois dos EUA.

Ainda assim nossa república não foi estável como a ianque. Nasceu fundada por militares, num golpe, com ministros monarquistas e sem participação popular. As revoltas emancipacionistas que surgiram em nossa história foram pouco apoiadas e duramente reprimidas, como a conjuração mineira, a revolta dos alfaiates na Bahia e a revolução pernambucana.

Participação popular, na realidade, nunca foi regra na nossa história. O Brasil fora sempre comandado ora pela coroa lusitana e suas crias reais, ora por uma elite agrária, latifundiária e exploradora que reina ainda por vastas áreas da atual república federativa e democrática, sobretudo no legislativo. O corporativismo grassa nas altas instâncias de nossa pátria amada, desde o século XVI.

A independência do Brasil foi se tornar um absolutismo próprio. E olhe lá, pois D. João VI foi imperador titular daqui. Enquanto nossos vizinhos americanos, como Venezuela, Argentina, Paraguai, Chile e Equador se livraram da coroa espanhola, com Bolívar e San Martín, e já viviam experiências republicanas, nos emancipamos em uma monarquia bragantina. “Além da sífilis, é claro”, herdamos o fisiologismo europeu e um imperador “que hás de respeitar” el-rei seu papai. O povo que se curve.

E continue curvado pois, como dito, não foi diferente depois de proclamada a república. Fundada por militares, a primeira dissolução do Congresso demorou apenas dois anos para acontecer, o Marechal Deodoro foi o pioneiro da ditadura militar brasileira e, favas contadas, estimulou também o coronelismo na terra brasilis. Prudente de Morais foi o primeiro presidente civil do Brasil, mas fortemente apoiado pela oligarquia do café, que também elegeu Campos Sales, paulista, que indicou outro paulista para sua sucessão, Rodrigues Alves, que teve um vice mineiro que seria o próximo presidente, Afonso Pena, e inaugurava-se o oligárquico café-com-leite.

A tentação de ir aos pormenores da história é grande. Mas o fato é que, proclamada a república, tivemos um período militar, outro cujo governo foi das oligarquias do café-com-leite e em seguida mais um golpe que inicia a ditadura getulista. Trocando em miúdos, tivemos experiências democráticas somente na metade do século XX, mesmo assim sufocada por outras duas décadas de ditadura militar, das mais infelizes páginas da nossa história. Nossa república democrática estável, ou aparentemente estável, só acontece há menos de 30 anos. A história coletiva de um Brasil soberano é muito recente.

E mesmo assim, conquistada a redemocratização parcial em 1985, nosso cambaleante presidencialismo foi liderado por um detrito da ARENA, José Sarney, um quase czar do Maranhão, e seu nepotismo. Em seguida, já com a nova carta magna, foi eleito pelo poderio midiático o belo e carismático Fernando Collor de Mello, outro resquício da ARENA e reencarnação do primeiro Pedro imperador, pra revelar que nossa sina de fidalguia deve responder a planos espirituais. O “caçador de marajás”, neoliberal e privatista, fora impedido da presidência em 1992 por acusações de corrupção.

Após Itamar, vice de Collor, é eleito um intelectual à presidência. FHC que, apesar da estabilidade econômica do plano real, impulsionou uma onda de privatizações com visíveis prejuízos ao erário, tornou o país refém do capital estrangeiro com danos à produção nacional e se aliou às oligarquias rurais e aos resíduos da ditadura, que ainda compõem quadros das coligações de seu partido.

Com Lula o cenário mudou, ma non troppo, haja vista o poder que as oligarquias ainda detêm nos legislativos e nas alianças com um demasiadamente inflado PT centro-esquerda.

Somos filhos do escravismo com a monocultura exportadora. Um país de ciclos: da cana, da mineração, do café, da borracha e por isso de uma industrialização drasticamente tardia. O imperativo do desenvolvimento fabril só venceu as resistências da oligarquia rural daqui no meio do século passado. E o latifúndio ainda dá as cartas nesses largos rincões do Brasil, assassinando camponeses, expulsando indígenas de suas terras e pervertendo a legislação ambiental em favor de seus bolsos. Essa turma ainda reina na bancada ruralista em Brasília e na grande mídia de rádio, TV e impressos.

É fato que nossa segregação racial é mais leve do que nos EUA. Aqui parece mesmo ter-se estruturado uma estratificação socioeconômica, mais do que puramente racial. Mas ainda assim é notória a disparidade de oportunidades, sobretudo de direitos, entre brancos e negros, por mais que uma elite cínica talvez ache que certas coisas sejam obras do acaso.

Fomos colônia escravista e monocultora importando manufaturados por quase todo nosso enredo, subjugados por ditaduras militares, absolutismos e oligarquias do latifúndio. No Brasil a “sorte” sorriu para as elites agrárias no norte, centro e nordeste e para alguns imigrantes bem sucedidos nos mais urbanizados sul e sudeste. A conta dessa história não pode jamais ser cobrada do povo, pois é o povo quem sempre sofreu e ainda sofre com o fardo da história.

Nosso atraso em relação a outras nações é resultado de uma histórica e forte plutocracia. Durante todo o período da colônia, vice-reino, império e por maior parte da república, fomos dirigidos pelos mais ricos, por elites defendendo seus interesses. E ainda é assim, mesmo com a ascensão de um metalúrgico ao poder.

As elites controlam os meios de comunicação, como as grandes Globo, Folha, Abril, Estado e a agropecuarista Band; controlam as leis em Brasília com os direitistas PSDB, DEM, partidões disformes e incongruentes como PMDB e PSD e partidos menores que abrigam interesses pouco coletivos em ideologias muito abstratas; e controlam também os interesses do capital estrangeiro com grandes multinacionais e seus lobbies, sobretudo o fiscal.

Se a Educação no Brasil ainda é fraca, isso é decorrência da história. O ensino público, de qualidade e universal, nunca foi do interesse das elites que conduziram a grã-canoa brasileira por 5 séculos. O trabalhador teve que trabalhar, Educação é um negócio perigoso pra quem está no poder, iluminação política crítica derruba regimes e emancipa almas que se tornam conscientes de seus fados. Desse modo, foi difundida a “cultura da ignorância”, apontada por Florestan Fernandes, pela elite às massas durante nossa história.

E essa conta não pode mesmo ser debitada do povo brasileiro, sempre alheio ao seu destino político. Se hoje temos falhas, corrupção, baixos índices na Educação e Saúde, temos também um pequeno grupo a quem não confiar mais o destino da nação. O Brasil foi feito assim, por uma elite plutocrática, oligárquica, corporativista, segregacionista, clientelista, patrimonialista, exploradora e usurpadora de direitos.

Uma elite que ainda está aí, sustentada pela preguiça e má-fé políticas das classes alta e média, mais preocupadas em continuar ecoando a oca lamúria “vira-lata” em vez de assumir suas responsabilidades dentro da inescapável coletividade nacional. Fomos feitos assim.